3.9.09

Fatos que valem um conto: O cartório de Lajedinho

“Quantos anos o senhor tem?”, pergunta o funcionário do cartório. “Não sei”, responde Manoel Lima. A aparência é de um idoso e a pretensão de Manoel, de regularizar a documentação para conseguir uma aposentadoria no INSS, confirma isso. Mas ele traz na mão uma Certidão de Nascimento dizendo que veio ao mundo em setembro de 1969. Ou seja, estaria fazendo agora 40 anos.

O documento foi emitido no cartório de Lajedinho, cidade da Chapada Diamantina a 365 quilômetros de Salvador. O complexo caso de Manoel está longe de ser isolado. O cartório é palco de uma confusão quase permanente. Em julho, por exemplo, foi feito o registro de seis nascimentos. As correções de certidões antigas foram 16.

A todo momento chegam pessoas com problemas semelhantes. Tanto na Certidão de Nascimento quanto em outros registros. Todos sem valor, porque não constam nos livros do cartório. Mesmo assim, as certidões foram usadas pelas pessoas para emitir outros documentos, como identidade e carteira de trabalho. Só quando precisam de uma segunda via da Certidão de Nascimento descobrem que ela não existe oficialmente.

A origem do caos remonta aos tempos em que a legislação concedia a particulares a propriedade dos cartórios. O de Lajedinho pertenceu durante trinta anos a Raimunda Góes de Oliveira, que se aposentou em 1992.

Algumas certidões não constam nos livros oficiais. Outras possuem divergências entre a versão que está na mão do dono e a que está registrada no livro. Sem contar erros grosseiros constatados pela reportagem, como crianças que têm o nome do pai no registro, mas não o nome da mãe. Ou enormes saltos decrescentes na numeração dos registros nos livros (de 4.862 para 4.162, por exemplo).

Lajedinho tem população estimada pelo IBGE em 4.468 habitantes. O funcionário do cartório, José do Desterro Santos, não sabe precisar quantos vivem na situação irregular, mas acha que passam de mil. Desde que os casos começaram a ser descobertos, o juiz da comarca, que tem sede no município vizinho de Ruy Barbosa, passou a autorizar a correção mediante uma petição simples e padronizada, que permite lançar nos livros o documento que a pessoa tem em mãos. O caso de Manoel Lima, citado no início do texto, será um pouco mais complicado, já que evidentemente seu próprio documento original está errado e ele deve precisar de um advogado para abrir um processo judicial. Problema sério também enfrenta quem perde o original e não possui cópia. Aconteceu com o funcionário público Gabriel Novaes, que teve a sorte de achar uma cópia na escola onde estudou e assim conseguiu emitir sua carteira de trabalho.

Mais inusitada é a história de Gildete Rodrigues da Conceição. Só conseguiu casar três meses depois de ficar viúva. É que o casamento, realizado em 1963, também não estava registrado. A descoberta só aconteceu quando ela precisou providenciar a documentação para dar entrada no pedido de pensão, após a morte do marido. Pedro Araújo da Cruz faleceu em abril de 2009 e a certidão de casamento foi validada em julho.

Se fosse um divórcio seria até mais fácil. “Isso já ocorreu. Foi uma alegria, na hora do divórcio descobriram que nunca foram casados”, conta Rosália Marques, que presta serviço no cartório. Em compensação já houve também os divórcios que não foram oficializados, preservando um casamento que os cônjuges consideravam encerrado.

Carcereiro fazia os registros

Ao receber a reportagem em Itaberaba (a 87 quilômetros de Lajedinho), onde mora atualmente, a antiga dona do cartório a princípio disse que os registros não são encontrados nos livros por preguiça de quem assumiu a tarefa. “Quando eu vou lá, acho tudo”, alega Raimunda Góes de Oliveira.

Ela conta que a princípio fazia pessoalmente os registros, mas em seguida revela que passou a ter a ajuda do carcereiro da cidade. “Ele era bem preparado”, garante. Raimunda admite que muitos a culpam pelos problemas, mas assegura que desconhece os erros e garante que jamais fez nada de má-fé.


MUTIRÃO


Em função dos problemas acumulados, que fazem com que pessoas adultas na prática estejam sem registro, Lajedinho vai receber sexta e sábado um mutirão da Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos. Será uma experiência piloto do Programa de Erradicação do Sub-registro Civil, que o governo estadual vai implantar em parceria com a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República.

Com base em dados do IBGE, a secretaria calcula que 24,5% das crianças na Bahia não são registradas no ano do nascimento ou até o primeiro trimestre do ano seguinte. Com isso deixam de existir oficialmente e perdem o direito a qualquer benefício público. Sem a Certidão de Nascimento não será possível, por exemplo, matricular os filhos na escola e nem receber benefícios como Bolsa Família.

No mutirão em Lajedinho também vai comparecer o caminhão do SAC Móvel e serão emitidos CPFs, carteiras de Identidade e de Trabalho.

Um comentário:

  1. Anônimo16/2/12

    trabalho maravilhoso vamos atraves da maravilhosa neti e outos meios divuga realmente como sao o trabalho das autoridades em jerau em lajedinho e cidades vizinhas da xapada

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