8.4.06

Acessibilidade zero

Tomara que tenha muito sucesso a luta dos portadores de necessidades especiais, que sob a liderança de uma pessoa que conhece bem os direitos que o grupo tem e sabe cobrar, estão tentando fazer o Ministério Público se mexer, a fim que os locais mais inacessíveis, como ônibus, possam melhorar.
Digo que tomara que tenham sucesso não apenas por eles, mas por todos nós, que nas condições em que vive a cidade ficamos todos um pouco portadores de necessidades especiais. Como só eles se mobilizam, poderão beneficiar os demais com os ganhos que alcançarem.
E por que estamos todos em condição parecida? Porque no caso dos ônibus, por exemplo, somos todos um pouco cegos, pois os letreiros que indicam a linha, não tem qualquer padronização e alguns deles amontoam um monte de letras num espaço reduzido, de modo que você só enxerga quando o veículo já está bem perto (daí que muitos candidatos a passageiros fazem sinal, para depois se certificarem se era mesmo o ônibus que queriam, pois se não o fizerem, correm o risco ver passar direto o coletivo pelo qual já esperaram tanto).
Temos todos dificuldade de locomoção, pois alguns destes ônibus tem degraus que desafiam a capacidade dos passageiros que precisam escalar para subir e saltar para sair. São uma montanha na entrada e um precipício na descida. Complicados, principalmente para mulheres de saia, pessoas idosas ou de baixa estatura, o que é tão comum entre nós.
Mesmo se você não está numa cadeira de rodas, os obstáculos para circular a pé são muitos, numa cidade onde cada um faz sua lei e ambulantes tomam as calçadas com carrinhos de mão, barracas (onde servem até almoço em plena Marechal Deodoro), Cds e DVDs piratas (não estavam combatendo a pirataria?). Sobrou espaço? Então fica para os comerciantes exporem bicicletas, colchões, geladeiras, mesas, cadeiras, etc, etc.
Pedestre? O que é pedestre? Ah, é aquele que vai a pé e tem que desviar de tanta coisa e ainda evitar topadas nos buracos do chão de pedras portuguesas arrancadas!
Há outros invasores do passeio. Os carros, claro. Não podiam faltar nesta lista. Estes são mesmo grandes e tomam todo o espaço. Mas se estiverem em região etílica, postam-se ao lado dos donos e de seus amigos, misturam-se a mesas e cadeiras e formam uma barreira que obriga quem passa a descer para o asfalto (ou o paralelepípedo) da rua por um bom pedaço que pode chegar a 20 metros de caminhada, disputando lugar com os carros que circulam. É uma cena do cotidiano na nossa principal avenida, Getúlio Vargas.
Somos todos um tanto quanto mentalmente desorientados, pois circulamos numa cidade onde a regra é as ruas não terem placas e às vezes nem os moradores da área sabem dizer seus nomes (e depois a culpa toda do extravio ou demora na entrega de correspondências cai nas costas do carteiro).
Não somos mudos, mas é como se fôssemos, pois os que nos ouvem (?) as queixas parecem ser surdos. Vai ver perderam a audição madrugada adentro nos bares e festas de trocentos decibéis que desesperam quem tem o azar de morar perto.

Publicado na Tribuna Feirense em 07/04/06

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