11.3.09

Para o delegado chefe, está tudo bem com a segurança

Se Feira de Santana quer viver dias mais tranquilos e ver reduzida a taxa de homicídios, que se aproximam dos 300 ao ano, deve torcer para que dê certo a iniciativa anunciada pelo prefeito Tarcízio Pimenta, que promete instalar uma secretaria de Prevenção à Violência. Pois da Polícia Civil, pelo menos, não se deve esperar mudanças, visto que na visão do delegado chefe, Joselito Bispo, a estrutura está adequada pelo interior.
Foi o que ele me disse, em entrevista feita para matéria especial do jornal A Tarde, publicada domingo e segunda (08 e 09 de março). Os repórteres das sucursais colecionamos uma sucessão de absurdos em vários municípios, mostrando uma série de dificuldades, das quais os próprios delegados e policiais se queixam. São 132 cidades baianas sem delegacia, de acordo com levantamento feito mês passado pelo Departamento de Polícia do Interior da Secretaria de Segurança Pública, subordinado a Joselito Bispo.
Veja a seguir a entrevista completa do delegado, com trechos que não saíram no jornal.

O senhor acha que a estrutura policial existente no interior atende a necessidade?

Acho que atende. Como todos os setores de atividade, este também precisa estar sempre sendo renovado, atualizado. Hoje a nível de efetivo da Polícia Civil no interior há necessidade de uma recomposição, não só a nível de agente de polícia como de delegado de polícia, bem como a nível de viatura.

O fato de um município ser pequeno torna dispensável a presença de um delegado?

Em alguns municípios é dispensável sim, bem como é dispensável o promotor e o juiz. Em muitos municípios pequenos não tem juiz nem promotor. Não justifica a presença de um delegado em um município onde não temos durante todo o ano um homicídio, um inquérito policial instaurado. Pode muito bem um delegado de um município responder por outro, agendando as audiências porventura existentes. Da mesma forma como ocorre com o Judiciário e o Ministério Público.

Existem realmente municípios tão tranquilos assim?

Existem sim, já levantados estatisticamente. Todo esse levantamento já foi feito.

Uma parte dos municípios que estão sem delegados se inserem nessa condição de municípios que podem permanecer sem?

Tem municípios que necessitam de delegados e esses dados já foram passados ao governo pela Secretaria de Segurança Pública. Daqueles que precisam de delegados e daqueles que podem ter delegados respondendo. Será definido a nível de governo do estado, a quem cabe nomear seus servidores. Ao delegado chefe cabe indicar, fazer sua proposta, suas sugestões.

Estaria faltando força política para a secretaria conseguir prioridade para o atendimento desses casos?

Infelizmente eu não posso responder porque eu não entendo de força política. Eu sou profissional de polícia, não sou vinculado a nenhum partido político. A minha filiação é à Polícia Civil do Estado da Bahia. E servir ao governo do estado, não importa qual a bandeira. A lealdade ao governo do estado, isso sim.

Vimos em nossa apuração mesmo em lugares que têm delegados, a polícia tem uma precariedade muito grande e fica meio impotente. Tem carros sem gasolina, sem pneu, tem lugar que não tem carro, delegacia sem cela. Que tipo de segurança uma polícia assim pode oferecer à população?

Primeiro que delegacia não é lugar de cela. Cela é com a secretaria de Justiça e Direitos Humanos. Se existe hoje população carcerária em delegacia não é o correto. O correto é que a polícia civil trate da apuração dos fatos delituosos. A PM trate da prevenção. Segurança pública não é delegacia. É delegacia, é Companhia da PM, é polícia preventiva e ostensiva e repressiva. Às vezes se pensa que se não tem delegacia, nem delegado, não existe segurança. Não é isso. A segurança é um conjunto. Polícia Civil, Militar, departamento de Polícia Técnica. Independente disso, segurança pública é a mídia, é praça de esporte, é família ajustada, passeios largos, criança na escola, família acompanhando seus filhos, combate às drogas, iluminação pública, podagem de árvores, urbanização. Essa co-participação da sociedade, esse conjunto. Não se faz segurança pública com arma+polícia+viatura. Isso não é segurança pública. É gestão policial. Segurança pública é o envolvimento da sociedade com um todo. É o trabalho que vocês fazem na mídia, mostrando as coisas boas ou denunciando.

Justamente fazendo esse trabalho que a gente constatou que a população está reclamando mais segurança. Em algumas cidades efetivamente a gente percebeu que isso é uma necessidade.

Exatamente, mas a polícia por si só não vai dar conta da segurança, que é esse conjunto. Tem que ter essa co-participacao. A educação é fundamental, o trabalho com crianças de rua, evitar a evasão escolar, para que a criança não seja cooptada pelo tráfico, que é o grande câncer hoje da sociedade. A gente precisa quebrar esse paradigma de que segurança pública é delegacia, é arma, é mais viatura. Não é isso não. É muito maior.

Mas o senhor não acha que as delegacias em geral precisariam estar mais estruturadas?

A estrutura do estado passa por um processo contínuo de aperfeiçoamento. Como a sociedade também passa por um processo contínuo de crescimento. Os estudos científicos, as pesquisas, são um processo contínuo. Até hoje ainda estudamos a origem do homem. A cada dia temos revelações. Por quê? Porque é dinâmico. E segurança pública também. A todo dia está se movimentando, surge um novo de tipo de crime. A polícia tem que se aperfeiçoar como um todo para acompanhar. Então ela não está apenas precisando de mais viaturas e mais potentes, da tecnologia, do aperfeiçoamento dos seus servidores.

Mas o problema hoje é que em alguns lugares a gente vê que não tem nem o básico, o essencial. Muito menos nova tecnologia.

O que não tem de essencial busca-se criar. É por isso que estamos evoluindo a cada dia. Não podemos nos acomodar.

Qual o limite de cidades que o senhor considera aceitável para um delegado responder sozinho?

Depende da estrutura daquela cidade, do número de ocorrências, da distância entre elas. Tudo isso foi examinado.

Então um pode ter duas e outro quatro?

Não tem nenhuma situação de quatro no nosso estudo, da nossa proposta.

Não gera problema até para os superiores cobrar a ação do delegado quando não se sabe onde ele está? Porque ligamos para varias cidades sem conseguir encontrar o delegado. Ouvimos “Tá na outra cidade, tá vindo, tá chegando” e não encontrávamos o delegado.

Mas eu sei onde está. E o coordenador tem esse controle.

Existe uma previsão para chamada dos concursados de 2001 que já fizeram o curso?

Essa resposta somente com a secretaria de Administração.

Os delegados que acumulam cidades não deveriam ter uma gratificao?

Eu acho que não. Está dentro de sua jornada de trabalho. Não está fazendo hora extra. No dia que ele não trabalha em um município está em outro.

Existe obrigatoriedade legal do delegado morar na cidade?

Existe obrigatoriedade de ele cumprir a jornada.

Foram estabelecidos critérios das cidades que terão delegados primeiro?

Tem todo o planejamento pronto, mas não posso divulgar o critério, que é problema interno, administrativo.

Há quantos anos a cota mensal da gasolina dos municípios está congelada?

Como estou falando com você em trânsito, não tenho esses dados. Existe uma cota e se superar essa cota, toda e qualquer delegacia que esgotar, pede uma suplementação e é atendida. Temos um limite inicial para ter um controle. É dado o complemento para quem necessita. O limite depende do tamanho, da dinâmica de operações da cidade. Tem algumas onde R$ 400 é muito. Em outras é pouco demais.

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