8.12.09

A solução é liberar todas as drogas

Quem diz isso não sou eu. Não tenho conhecimento para arriscar tanto. É um tenente americano, já aposentado, de 71 anos. Um homem que passou a vida combatendo drogas e traficantes (prendeu mil deles). Correu os maiores riscos porque trabalhava infiltrado entre consumidores e quadrilhas. E acabou descobrindo que não adiantou nada. Agora Cole dirige uma ONG que reúne juízes, promotores e policiais em 76 países, todos a favor da legalização das drogas, o que seria para eles a única maneira eficaz de lidar com o problema.

Bem diferente do que pensa o colega Augusto Ferreira, que em seu blog chamou a Caminhada da Maconha de sábado em Salvador de “Passeata dos Idiotas” e do vereador Otávio Joel, também policial aposentado, que prevê aumento da violência e do gasto público se as drogas se tornarem legais. Joel prefere o modelo islâmico, que prevê até pena de morte para o consumidor ou traficante de drogas.

A entrevista do tenente Jack Cole foi publicada no final de outubro, na revista Época. Uma das coisas mais interessantes e bem fundamentadas sobre o assunto que já pude ler. Destaco alguns dos pontos mais significativos. Mas a entrevista completa pode ser lida aqui.

ÉPOCA – O senhor chegou a ficar amigo de verdade de algum traficante?

Cole – Sim, claro. Por que não ficaria? São pessoas normais, como nós, que em algum momento resolvem se drogar. Muitos deles, para sustentar o vício, resolvem vender para amigos. Você vira confidente, mas faz também confidências. Você pensa o tempo todo que está sendo um traidor, mas tem de ficar firme até o final da operação. Em geral, prendíamos todos de uma vez, e eu era preso também. Minha presença os fazia se declarar culpados, porque sabiam que eu tinha conhecimento de tudo. Não esqueço o olhar de decepção deles quando me viam no corredor do tribunal. É um trabalho nojento. O pior é que hoje vejo que nosso trabalho na década de 70 acabou provocando mais tráfico e bandidagem.

ÉPOCA – Por quê?

Quando eu entrei para a polícia, em 1964, meu departamento tinha 1.700 policiais e sete deles trabalhavam na divisão de narcóticos. Em 1970, eram 76. Eles multiplicaram por 11 o número de policiais nas divisões de narcóticos. Naquela época, só 2% dos americanos usavam drogas. Hoje, são 16%. Prendemos gente que tinha recuperação, que não era exatamente um traficante. Só eu prendi uns mil. Gente comum que foi para a cadeia e lá conheceu traficantes de verdade, fez um verdadeiro curso intensivo de tráfico e outros crimes. E não se recuperam quando saem de lá. A condenação é uma mancha que não sai de sua vida jamais. Quem vai dar emprego? A alternativa é traficar mais, roubar e matar, ainda mais depois de fazer amizades e se profissionalizar na cadeia. Você pode superar o vício, mas jamais vai superar uma condenação. A única forma de quebrar essa corrente é liberar as drogas.

ÉPOCA – Mas, se a maconha for liberada, aparecerá alguém traficando cocaína. Se a cocaína for liberada, aparecerá alguém vendendo crack...

Cole – E por que não podemos liberar tudo de uma vez? Temos de liberar todas as drogas. No momento em que liberarmos, acabará o tráfico. Ele simplesmente não vai mais precisar de armas, nada disso. As drogas seriam vendidas em qualquer lugar, e o consumidor saberia exatamente o que ele está usando, como vocês têm na embalagem de cigarro os avisos de todas as substâncias que o produto contém. Os governos deram às polícias a missão de proteger os adultos de si próprios. Isso não faz sentido. Não funcionou com o álcool, e nós levamos 30 anos para perceber isso. Na hora em que legalizamos o álcool, acabou o crime provocado pelo álcool.

ÉPOCA – Mas os problemas de saúde relacionados ao álcool persistiram.

Cole – E os da droga estão aí sem o menor controle. É um equívoco achar que as pessoas vão se drogar mais e que teremos mais problemas. Portugal descriminalizou as drogas em 2001 (mais exatamente o consumo de maconha, cocaína, heroína e meta-anfetaminas) e o consumo entre jovens de 12 a 15 anos caiu 25%. Também caiu 22% entre os jovens de 16 a 18 anos. Porque as pessoas passam a saber mais sobre as drogas. É inevitável. A contaminação por aids com agulhas usadas caiu 71%; as mortes por overdose, 52%. Isso acontece porque as pessoas não precisam ir para os guetos e dividir agulhas. Se você legalizar a droga, sabe o que vai acontecer no dia seguinte nos morros do Brasil? Eles vão estar fora do negócio, não vão ter mais território para defender. Eles só têm armas porque precisam se defender da polícia e das outras gangues.

ÉPOCA – Aqui estamos discutindo colocar metralhadoras em helicópteros e aumentar a pena por tráfico.

Cole –Você coloca uma metralhadora no helicóptero, o traficante compra um foguete. Você entra com um tanque, ele compra bazucas. E isso vai parar onde? Vão fazer um Vietnã urbano?

Posted via email from Glauco Wanderley

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