8.3.10

O 'crack' é causa ou consequência da violência?

Gerivaldo Neiva, juiz de Conceição do Coité

O governo da Bahia lançou uma campanha visando combater o uso do crack que tem como mote a informação de que 80% dos homicídios no Estado estão relacionados ao crack. Segundo os idealizadores da campanha, “o crack é a principal causa da violência na Bahia.” Leia mais...

Tenho a impressão, depois de quase 20 anos de magistratura e no contato pessoal com jovens usuários do crack, que campanhas nesses moldes são absolutamente inócuas e servem apenas para o poder público justificar seus gastos com propaganda e para a polícia justificar a violência contra jovens negros e pobres da periferia, como tem acontecido repetidamente na Bahia.

A melhor campanha para evitar o alastramento do crack, que já é um problema de saúde pública também no interior do Estado, deve começar como uma grande interrogação pintada em painéis e outdoors e discutida com a sociedade: por quê?

Assim, conhecendo a realidade sem sentido e sem perspectivas dos jovens das periferias, a sociedade vai compreender que o uso do crack não é a causa da violência, mas exatamente o contrário: é a consequência de um modelo de sociedade excludente, preconceituoso, discriminador, consumista e da absoluta falta de políticas públicas voltadas para o oferecimento de oportunidades e perspectivas para os milhões de jovens desse país nascidos nas condições de abandono dos morros, favelas e periferias.

Enquanto o poder público continuar pensando que o crack é “a principal causa da violência”, infelizmente, podemos ter a certeza de que a situação vai se agravar mais ainda. A polícia vai continuar matando jovens pobres e negros, as agências de propaganda vão continuar engordando suas contas correntes e a sociedade, abobalhada, fazendo orçamento para implantar cerca elétrica em suas residências, instalar sistemas de alarmes e, para quem pode, blindar o carro.

Por fim, enquanto o poder público continuar idealizando campanhas publicitárias desse tipo, a sociedade permanecer inerte e o Judiciário apenas julgando e condenando os jovens pobres e negros dependentes do crack, estamos todos “lavando as mãos”, feito Pilatos, e permitindo que a polícia resolva (?) ao seu modo, ou seja, matando.

 

Posted via email from Glauco Wanderley

3 comentários:

  1. Anderson8/3/10

    Para um juiz que ganha cerca de vinte mil reis por mês, é fácil julgar os nobres policiais do estado da Bahia. Com 20 anos de serviço o senhor deveria conhecer o sistema e reconhecer a incompetência do judiciário brasileiro, que encobre e beneficiam ricos e poderosos. Alem do judiciário moroso e beneficiador, temos ainda as leis, ultrapassadas que não acompanharam o desenvolvimento do país. Vivemos em uma nação que barbaridades nos brindam numa manhã de Segunda Feira pelos telejornais ou jornais. Um verdadeiro faroeste, terra sem lei, é assim que vejo o brasil. Concordo com vossa excelência que faltam políticas públicas para o combate e tratamento de viciados em drogas, principalmente o crack. Não interessa qual é a causa ou a conseqüência, o importante é que o problema está ai para ser resolvido. E não é passando a mão pela cabeça e tratando como coitados excluídos socialmente que vai resolver. Quantas crianças ainda vão precisar morrer como João Helio, quantos pais de família, quantos inocentes doutor vão ter que dá a sua vida para o judiciário brincar de direitos humanos. O Brasil só vai melhorar quando as leis forem revistar e endurecidas. O senhor como magistrado deve saber disso melhor que eu. Quem descumprir as leis tem que pagar pelos seus erros trancafiados atrás das grades, mofando anos e anos, sem direito a indulto ou coisa do gênero para que outros não se encorajem a cometer os mesmos crimes. Só assim tiraremos os sentimentos de revolta e maldade das pessoas que vivem a margem da sociedade, os fazendo pensar no caminho que querem seguir. Sabemos muito bem que a falta de oportunidades não é desculpa para que uma pessoa se torne um assassino cruel e impiedoso. As oportunidades existem para todos, basta querer lutar pelos seus sonhos. Hoje não existem preconceitos como existia há 20 anos, onde os excluídos não tinham acesso até mesmo às partes culturais das cidades. Vivemos na era da informação,da tecnologia, onde todos têm acesso ao conhecimento. Pobres e miseráveis sempre vão existir, principalmente aqui, um país corrupto onde as pessoas só querem tirar proveito do caos.

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  2. O juiz Gerivaldo Neiva está correto nas suas colocações.Recentemente postei no meu blog um artigo onde critico essa absurda e inócua propaganda estatal tentando justificar a incompetência do gestor público em relação à segurança.Os índices da criminalidade aumentam por causa do aumento da corrupção e desvios do erário público para a implantação de obras eleitoreiras sem planejamento e nítido descaminho.Os investimentos em educação, saneamento básico,saúde , transporte e oportunidade de empregos têm que ser priorizados.Parabéns ao Exmo. Juiz e a você por valorizar tão importante ponto de vista.
    Eduardo Leite

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  3. Glauco,
    obrigado pela publicação.
    Ao leitor Anderson tenho a dizer que a Constituição de 1988 é uma das maiores conquistas de nossa história.
    Segundo a Constituição, somos todos iguais perante a Lei; a todos os acusados é garantido o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa; ninguém pode ser preso senão em flagrante delito ou ordem judicial; todos tem direito a vida e à integridade física e psíquica; nossa República é fundada na cidadania e dignidade da pessoa humana e, por fim, o objetivo da República é construir uma sociedade livre, justa e solidária.

    Abraço.

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