7.3.06

O leão, a feiticeira e o guarda-roupa

Ler é muito melhor que ver filme sobre o livro, todo mundo sabe e acabo de constatar mais uma vez, ao assistir o Leão, a feiticeira e o guarda-roupa. A razão, muito simples, é que o livro cada um imagina como quer, enquanto o filme é necessariamente a visão do diretor sobre o livro, que dificilmente vai se conciliar totalmente com a sua e é claro que em geral as expectativas mais delirantes não se cumprem.
Porém, qualquer um que leu, não há de querer perder a oportunidade de assistir a versão cinematográfica de obra que mexe tanto com a imaginação. E com certeza não vai se decepcionar, pois basicamente o filme é uma versão fiel do livro.
A boa notícia mesmo do negócio todo é que ainda no final de outubro, as Crônicas de Nárnia (uma coleção de sete livros cujo segundo volume é a história transposta agora para o cinema) já estava entre os livros mais vendidos no país.
Seu autor, CS Lewis, vale muitíssimo mais a pena ser conhecido do que os prediletos atuais do Brasil e do mundo: Dan Brown (Código da Vinci), JK Rowling (Harry Potter) e Paulo Coelho.
O que precisávamos era de mais traduções de CS Lewis, um dos autores mais populares em língua inglesa, mas muito desconhecido no Brasil. Em matéria de Crônicas de Nárnia estamos bem servidos porque a editora Martins Fontes acaba de relançar na esteira do filme, a coleção completa reunindo os sete livros num só volume. Mas muita coisa boa, que até já se encontrou em português, hoje não se acha mais.
CS Lewis era um intelectual de grosso calibre, professor em Oxford e Cambridge, na Inglaterra, mas também um escritor muitíssimo cheio de imaginação, de texto fácil e atraente.
Acontece que era religioso. Passou de ateu a anglicano, dizem que muito sob a influência do colega professor e escritor Tolkien, de O Senhor dos Anéis. Seus livros de ficção embutem sempre a religião, mas não de uma maneira dogmática e moralista e nem deixam de abrir espaço para dúvidas e questionamentos. Enfim, são realistas como a Bíblia, mas nada parecidos com o grosso da chata e mal escrita literatura evangélica em geral. Daí que o bom e velho Lewis, melhor do que todos os outros autores da área reunidos e multiplicados por dois, não encontra mais espaço nas editoras evangélicas. Nem muito menos nas leigas, pelo que perdemos todos.
As Crônicas de Nárnia, onde o leão Aslam representa Jesus, conseguiram ser uma exceção por duas grandes razões. É um dos maiores clássicos na Inglaterra, um dos mais lidos e influentes livros infanto-juvenis. A própria autora de Harry Potter confessa-se influenciada por ele. O lançamento mundial do filme, semana passada, teve a presença de príncipe Charles e Camila, que só vão ao cinema uma vez por ano (uma honra que para nós pode parecer duvidosa, mas que na Inglaterra é um apoio de peso). A outra razão para ser traduzido e lançado por uma editora nacional importante é que a tradução foi feita pelo já falecido e muito respeitado intelectual Paulo Mendes Campos.
Pena que não tenha traduzido também Cartas do Coisa Ruim (um muito engraçado livro em que um diabo velho escreve ao sobrinho sobre como impedir que um sujeito freqüente a igreja), Perelandra (um homem sai do nosso planeta para tentar fazer com que em outro mundo, a história de Adão e Eva não acabe mal como aqui) e O grande abismo (um ônibus leva os passageiros do inferno para um tour no céu. Só que nem todos na turma concordam que vivem no inferno e nem reconhecem o céu como céu).
Destes, apenas o último livro acho que ainda é encontrável nas livrarias.

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